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domingo, 14 de março de 2010

Os perigos dos remédios sem receita. A mistura de uma simples aspirina com outros medicamentos pode ter sérias conseqüências

Quando o garçom de 44 anos chegou carregado ao hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, ainda estava inconsciente. Ele tinha desmaiado e batido com a cabeça. Ágeis, os médicos conseguiram regularizar a respiração e o homem voltou a si em 20 minutos. Ele foi levado à Unidade de Terapia Intensiva, onde ficou internado por 12 horas e acabou se recuperando.

A experiência quase fatal que o homem viveu foi causada por uma reação alérgica. No entanto, ele já havia tomado remédios para dor de cabeça antes, sem que houvesse qualquer problema. Então, o que aconteceu?

Com uma dor de cabeça muito forte, ele ingeriu um remédio vendido sem receita médica que imaginava conter aspirina, o Magnopyrol. Mas, se ele tivesse lido o rótulo com atenção, teria visto uma advertência em letras pequenas dizendo que o medicamento continha dipirona, substância ativa à qual ele era alérgico.

Felizmente, experiências graves como essa decorrentes da ingestão de medicamentos legalmente vendidos sem receita médica não são freqüentes. Mas o erro do homem - não se informar sobre o remédio comprado - é muito comum. Uma pesquisa recente sobre consumo de medicamentos em Fortaleza, realizada pelo professor Paulo Arrais, do Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Ceará, descobriu que cerca de 80% dos entrevistados compravam remédios sem procurar saber os riscos ou efeitos colaterais que eles poderiam causar. Cerca de 80% dos balconistas, por sua vez, não perguntam se o comprador tem alergia a alguma substância ou se está fazendo uso de outro tipo de remédio a fim de evitar os riscos das interações indevidas entre os medicamentos.

Os perigos podem ser consideráveis. Os remédios que compramos para alergia, dor de cabeça, enjôo e outros transtornos são drogas. E devem ser usados com responsabilidade. Quem toma medicamentos que exigem receita médica deve consultar o clínico antes de ingerir qualquer outra substância.

Os consumidores que não fazem isso, ou que ignoram advertências no rótulo ou na bula antes de tomar um dos mais de 1.800 remédios hoje vendidos sem receita médica no mercado, estão se arriscando. Eis alguns dos riscos:

Overdose

"É comum o consumidor acreditar que a melhora é mais rápida quando ele toma uma dose maior do remédio", diz o Dr. Maurice Vincent, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Universitário da UFRJ. "Mas isso é completamente errado."

Uma carioca de 36 anos, que sofria de dor de cabeça desde os 8 anos, procurou o consultório do Dr. Vincent, queixando-se de que nos últimos 10 meses sentia dores de cabeça diárias e lancinantes. A dor a arrancava do sono profundo, deixando-a enjoada.

Não levou muito tempo para descobrirem o problema. Havia quase um ano a mulher vinha tomando, todos os dias, até 25 comprimidos de analgésicos para se livrar da enxaqueca. O rótulo do remédio adverte os usuários para não ingerirem mais de oito comprimidos por dia e não usarem o medicamento por mais de 48 horas.

"É a famosa dor de cabeça de rebote, que acontece porque logo após o efeito do analgésico o paciente fica mais suscetível a uma nova crise", explica o Dr. Maurice Vincent. "A dor de cabeça piorava e ela tomava mais analgésicos, o que provocou um ciclo dor-analgésico-dor. Então, começamos um tratamento com remédios diários, tomados sempre no mesmo horário, para diminuir a suscetibilidade à enxaqueca. Em vez de tratar a dor de cabeça, o remédio evita os ataques. A paciente está reagindo bem."

Embora nenhum estudo definitivo tenha sido realizado, o Dr. Vincent calcula que cerca de 1,7 milhão de brasileiros tomem em excesso remédios para dor de cabeça vendidos sem receita médica.

"O uso contínuo de analgésicos compostos por mais de um ingrediente ativo, por exemplo, pode ser perigoso", adverte Nestor Schor, coordenador do Departamento de Ensino da Sociedade Brasileira de Nefrologia. "Pode provocar danos renais." De qualquer maneira, esses remédios são considerados seguros quando usados conforme a indicação.

Interação

As autoridades médicas pedem a todo consumidor de medicamentos vendidos apenas com receita, principalmente a quem tem doença crônica, que consulte o médico antes de tomar qualquer remédio vendido sem receita.

Estima-se que mais de 2 milhões de brasileiros, por exemplo, tomam omeprazol e cloridrato de ranitidina, remédios comuns para azia e gastrite. Mas, se essas pessoas também consomem remédios à base de varfarina (usados para impedir a formação de coágulos), estão se arriscando. O omeprazol e a varfarina, dependendo da dosagem, podem interagir de modo a, em casos extremos, provocar hemorragias, adverte o professor Paulo Arrais.

Hoje, os antidepressivos são remédios largamente utilizados no Brasil. "Quem faz uso de antidepressivos deve ter cuidado ao tomar remédios para resfriado", alerta Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas, de São Paulo.

Um ingrediente comum a muitos remédios para tosse, o dextrometorfano, pode interagir com antidepressivos como fluoxetina ou paroxetina e provocar um problema sério, embora raramente noticiado, chamado síndrome da serotonina. Um comerciante de 45 anos, de São Paulo, em tratamento para depressão, estava resfriado e decidiu comprar um antigripal. Horas depois, chegou à sala de emergências do hospital suando, tremendo, desnorteado, com dificuldade respiratória e pressão sanguínea elevada. Mal sabia ele que um problema tão simples ia se transformar em pesadelo: a síndrome serotoninérgica maligna, que o levou à UTI por uma semana.

Os medicamentos para resfriado também podem interagir perigosamente com outro grupo de antidepressivos chamados inibidores da monoaminoxidase (IMAO). Incluem-se aí a fenelzina e a tranilcopromina. A maioria dos produtos para tosse e resfriado vendidos sem receita médica adverte sobre essa reação.

Anulação

Os consumidores precisam estar cientes de outros riscos potenciais: um remédio pode anular ou diminuir os efeitos de outro.

Como alivia a pressão sanguínea elevada, o captopril é um dos remédios mais vendidos no Brasil. Não é incomum pessoas com pressão alta tomarem aspirina como prevenção a ataques cardíacos. "O ácido acetilsalicílico, ou seja, a aspirina, pode interferir nas ações dos inibidores da ECA (enzima conversora de angiotensina), como o captopril, comprometendo o tratamento da hipertensão", lembra Antônio José Lapa, chefe do Departamento de Farmacologia da Unifesp. (Quem toma inibidores da ECA não deve evitar a aspirina - principalmente se ela foi prescrita pelo médico -, mas deve manter a pressão sanguínea bem monitorizada.)

Muitas pessoas com pressão arterial elevada também sofrem de artrite. A combinação de alguns medicamentos que exigem receita médica para o primeiro problema e o excesso de remédios que não exigem receita médica para o segundo pode interferir na ação da medicação para pressão sanguínea. Por exemplo, quem toma beta-bloqueadores como propanolol e atenolol deve consultar o médico antes de ingerir antiinflamatórios não-esteroidais (NSAIDs), como ibuprofeno e naproxeno.

Anthony Wong também nos adverte para o fato de que os ingredientes ativos de muitos antiácidos, podem reduzir a absorção de alguns antibióticos - tetraciclinas e ciprofloxaxinas. Em alguns casos, eles podem quase anular os efeitos do antibiótico e impedir a cura de infecções mais severas. Os pacientes devem perguntar ao médico se podem tomar os medicamentos concomitantemente.

Suscetibilidade à doença hepática

Quando Maria da Silva,* 40 anos, percebeu uma micose na unha, aliviou os sintomas com miconazole, medicamento que não exige receita médica. Dois dias mais tarde, sua pele estava amarelada. Imediatamente, Maria foi para o hospital, onde os médicos diagnosticaram icterícia.

O fígado não suportou a toxicidade da medicação. Após os exames complementares, foi diagnosticada uma hepatite aguda medicamentosa. Maria já tinha uma infecção crônica no fígado e o uso dessa substância o deixou ainda mais sensível. Felizmente, Maria se recuperou.

Outro perigo para o fígado é a mistura de álcool e acetaminofeno, principal ingrediente de muitos analgésicos vendidos sem receita médica. O Dr. João Luiz Hauer, presidente do Grupo de Fígado do Rio de Janeiro, recomenda que quem bebe com regularidade use menos do que a dosagem normal de produtos com acetaminofeno.

A mistura do álcool com muitos analgésicos vendidos sem receita médica pode ser perigosa. No novo regulamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), instituição que cuida da administração de drogas e alimentos no Brasil, todos os produtos que aliviam a dor e/ou diminuem a febre trarão na bula advertências sobre os efeitos colaterais dos medicamentos de venda livre utilizados por pessoas que fazem uso regular de álcool. A revisão que a Anvisa está elaborando vale para todos os tipos de medicamentos, inclusive os vendidos somente com receita médica, e deve entrar em vigor em 2005.

Interação

Os profissionais da saúde pedem aos consumidores que leiam atentamente o rótulo de todo produto vendido sem receita médica e que consultem o clínico. Aconselham ainda as seguintes precauções:

• Procure saber se a medicação compromete a capacidade de dirigir ou outras atividades que exijam atenção.

• Leia o rótulo sempre que comprar um produto vendido sem receita médica, e não apenas na primeira vez. Os fabricantes podem mudar a composição.

• Converse com seu médico, leia atentamente a receita e solicite esclarecimentos ao farmacêutico ou profissional de saúde devidamente habilitado.

• Tenha muito cuidado se você esmagar, mastigar ou partir o medicamento antes da ingestão. Às vezes a droga possui um revestimento que a impede de se dissolver ao passar pelo estômago; às vezes o remédio deve liberar a medicação aos poucos - objetivo que pode ser frustrado caso não seja tomado por inteiro.

Maior auxílio ao consumidor está a caminho. Novas normas da Anvisa aprovadas este ano facilitarão a leitura e o entendimento do rótulo e da bula dos remédios. Haverá letras maiores, mais espaço em branco, um formato padrão e linguagem mais simples, apropriada ao consumidor, para explicar efeitos colaterais, interações e quando consultar o médico. Mas nem todas as advertências do mundo ajudarão se o consumidor não se der ao trabalho de lê-las.


Fonte: Claudia Rodrigues - Seleções Reader Digest

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